2006 - O Único Sobrevivente.


Ele não vira nada do que acontecera. Acordara ao sentir a batida brusca da lateral do ônibus e antes que a mesma batesse contra o chão da pista, segurou-se nos braços da cadeira para não rolar junto ao veículo. Viu as pessoas que acordavam caindo. Sentiu que o ônibus rodava, sentiu que deslizava pela rua, rodopiava pela estrada e segurou-se o quanto pôde. O ônibus, então, saiu da estrada, passando por cima da mureta de proteção, quebrando-a e rolando morro abaixo. Ele não via nada. Por sorte, o morro não era grande, mas fez com que o ônibus rodasse mais e mais forte enquanto ele se segurava com toda força à sua cadeira. Ele via as pessoas rodarem junto ao ônibus, via os corpos passearem pela extensão do ônibus. Algumas pessoas ainda tentavam se segurar à cadeiras ou às partes onde se colocam bolsas. Ele ouvia o barulho do ônibus sendo amassado, as parte mais fracas da ferragem faziam um barulho ensurdecedor ao se dobrarem, se amassarem. O vidro ao seu lado quebrou-se em minúsculos pedaços como acontecera com todos os outros vidros da condução e o ônibus deu uma última batida ao chegar ao final do morro. Sacolejou. Pedaços de vidro ainda cairam. Ele ainda se segurava à cadeira. O ônibus havia parado deitado, com a lateral direita no chão. Ele deixou que seus braços e pernas se desgrudassem aos poucos da cadeira e sentiu os cortes em suas mãos, braços, pernas e em seu rosto, que haviam sido feitos pelo vidro estraçalhado ao seu lado, mas não sentia dor. Era apenas o reconhecimento do acontecido. Ele sabia que o ônibus havia capotado para fora da estrada, mas seu corpo não sentia nada. Ele não entendia nem metade do que ocorrera. Soltando mãos e pés ele conseguiu subir fazendo os braços das cadeiras de degraus. Saiu pela janela ao seu lado e pôs-se para fora do ônibus. E desceu novamente. Desesperado ele procurava por pessoas vivas. Gritava pelo ônibus por pessoas vivas e parava para escutar sussurros, murmúrios, mas nada ouvia. E saiu novamente. Sentou-se na lateral amassada do ônibus e olhou para a estrada e viu o quanto percorrera, preso àquela cadeira, enquanto o ônibus se arrastava e girava. O sangue das pessoas que haviam rolado pelo ônibus escorria pela grama. Viu corpos que foram deixado para trás, lá pelo morro. Haviam corpos em todos os cantos. Dentro do ônibus havia muito sangue, muito vidro, malas. Na frente do ônibus o motorista não estava mais. Olhando mais para dentro viu que alguém se mexia. Desceu correndo, usando novamente os braços das cadeiras e chegando lá percebeu que não havia salvação. A pessoa já havia morrido. O ônibus não estava vazio, mas não havia nem uma outra pessoa viva. Ele nao aguentava olhar e nem sabia o que fazer. De leve correu sua mão pelo seu bolso e encontrou seu celular. Ligou para a polícia e pediu por socorro. Sem dizer muito bem o que acontecera ele se despediu e pediu desculpas. A mulher do outro lado da linha disse que o socorro estava a caminho. Desligou. Procurou mais uma vez pelos corpos ali dentro por pessoas que estivessem vivas. Ninguém. Não havia uma veia pulsante em todos aqueles corpos. Ele quis correr para as pessoas que haviam sido jogadas do ônibus, mas imaginou que ali também não haveria mais nenhum coração que batesse. Não sabia o que pensar, imaginou-se num pesadelo e terminou por pensar que ele não deveria estar ali, que ele não deveria estar vivo. Passou as mãos pelo cabelo e nesse momento seu braço doeu. Percebeu que havia um vidro instalado em seu antibraço, mas deixou-o ali. Voltou ao banco em que estivera sentado, com cuidado posicionou-se como estava antes. Puxou o vidro de seu braço e deixou que seu sangue jorrasse. Com aquele sangue ele molhou seu dedo indicador e no banco à sua frente escreveu: não posso ser o único. Segurou-se o quanto pôde pois seus braços perdiam a força. Deixou que seu sangue saísse até que seu coração também parasse e seu corpo caísse junto aos outros que ali estavam. O socorro não chegara a tempo e ele morreu ali, tendo sido o único sobrevivente.

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